Suave Amiga

"E eu pensarei: Que bom nem é preciso respirar..."
Cecília Meireles



Não fui ao teu enterro,
Suave Amiga.

Os enterros,
eliminei-os de minha vida
para que possa
lembrar vivos
os meus mortos.

Quando os vejo morrer,
ou lhes velo os despojos,
ou os acompanho
em seu último
e inútil passeio,
eles se vão pouco a pouco
fazendo-se imparticipantes;
deixam-se frios e reservados
como hóspedes
de uma longuingua Marenbad.

Sim,
Suave Amiga,
muito esnobes
ficam os mortos
para meu gosto.

Prefiro pensá-los em viagem,
capazes de
inesperadamente surgir
em minha imaginação,
como sucediam
no meu tempo; vivos, itinerantes,
sempre partindo
e sempre de volta.

(...)

Em algum lugar
andarás agora,
Suave Amiga,
algum Nepal,
a te moveres entre templos
levada pelo ímã
do teu olhar de prata.

Em algum lugar
estará acontecendo
o teu silêncio,
a tua sombra,
a tua dúvida.

Ora deves parar
em doce postura
para ouvir de algum velho monge
fórmulas mágicas
capazes de mobilizar o tempo,
dar voz às rosas,
transformar tudo em distância;
ora ensimesmar-te
diante de horizontes infinitos
até a evaporação
total da carne
feita bruma,
feita nuvem,
feita pólen lunar:

bruma, nuvem, pólen
habitados
por imensos olhos
verdilúcidos
a caminharem
para a grande treva fluida
esgarçada de véus brancos.

Suave Amiga,
que saudade antiga...

(...)


Suave amiga,
que cantiga triste...


Que triste história
a não contar mais nunca,
essa do tempo que passa
do teu vulto avançando
na penumbra da sala
para logo se perder.

da luz de teu sorriso
e da calma dos teus olhos
sem paz...

Não importa
onde estejas agora,
nos caminhos do Sinai
tangendo estrelas,
ou a dormir num aquário
no fundo de um lago,
a graça de teu vulto
acompanha nossos passos.

(...)

Um dia,
quando menos esperares,
estaremos a teu lado.

E eu sei que,
inclinando graciosamente
o corpo sobre o abismo,
vigiarás nossa escalada e,
no último lance,
nos darás a mão.

(...)


Rio de Janeiro - Novembro de 1964
Vinicius de Moraes
Ode a Cecília Meirelles









Lembrei de você quando li essa crônica do Vinicius
Me bateu aquela saudade meio café com leite,
aquele café com leite que só você tem.
Passei enfrente a casa onde você morou
ainda na esperança de ver aquele copo de geléia
de goiaba sujo de café em cima do muro,
mas para minha saudade gritar, ele não estava lá.
Pensei em chamar mas sabia que não seria você
que ia gritar: " Já vai! "
Também sabia que você não ia me mandar entrar
" Entra Thaizinha, faz tempo que você não vem me visitar. Que saudade de conversar."
Realmente faz tempo que não vou te visitar, por onde você deve andar?
Que saudade de conversar. Onde eu vou me esconder agora?
Sua casa era o meu refúgio favorito, seu quintal, sua sala,
seus quartos, seu banheiro, sua cozinha era tudo a sua cara
tinha tudo o seu cheiro e eu gostava muito disso.
Faz tempo que não penso em você, não porque eu tenha
esquecido mas sim porque eu evito pensar, a saudade não é minha companheira favorita.
Dessa vez não deu para escapar, quanto tempo faz?
Um ano? Dois?
Não sei me perdi no tempo depois que você se foi,
quem me falava os dias, as horas era você, lembra?
Faz tempo, muito tempo que você não está, que você se foi e que não vai voltar.
Queria que você conhecesse meu namorado, fosse no meu casamento,
na minha formatura na faculdade, visse os meus filhos crescer,
queria te ver em cada conquista minha e chorar no seu colo - colo com cheiro de café, cada tristeza.
Ainda lembro de você, perfeita e alegre, zueira e desbocada.
Você faz falta, deu pra notar né?
Tô te devendo um beijo, smack, bem estalado pra você.

Assim que eu puder, daqui uns 60 anos, eu vou te ver
Eu juro não vai demorar, vai passar rapidinho
E eu logo vou te abraçar, minha amiga com cheirinho doce de café
misturado com o de um cigarro bem vagabundo.

De: Thais Allana Martins para uma amiga café com leite e cigarro que já se foi.

2 comentários:

Unknown disse...

N tenho palavras...

Mali Melo disse...

que coisa mais linda... uma amizade que não se acaba com a distância é muito forte. parabéns por ter uma amiga assim. :)

Sigam - me os bons